Lawfare: o condor continua voando

Por Henrique Pizzolato, Brasil.

Nos anos 60 e 70 do século passado, golpes militares eram uma constante. Em países da América Latina, governos democráticos foram depostos e substituídos por ditaduras militares que mantiveram as populações sob grande terror e submeteram as economias a interesses externos, produzindo altos níveis de desigualdade, miséria e exclusão social.

Para assegurar a manutenção dos regimes golpistas, formou-se um consórcio dos países que, sob orientação dos Estados Unidos da América, perseguiu, sequestrou, prendeu, torturou e matou oponentes além das fronteiras nacionais. Essa operação foi chamada de “Plano Condor”.

Conforme alertou o prêmio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel, “Um novo Condor voa sobre a América Latina”, dessa vez sem armas, mas igualmente letal para vítimas de perseguições e populações economicamente atingidas.

Nas últimas duas décadas governos democráticos passaram a ser depostos, não mais pela violência dos fuzis, mas, sim, pelo uso de outro tipo de violência: o Direito (a lei) usado como arma de guerra para eliminar oponentes políticos e garantir interesses econômicos.

O lawfare é guerra jurídica e midiática por meio da qual se ataca a soberania de um povo, com o objetivo de enfraquecer a nação, a fim de torná-la presa fácil, para submetê-la a interesses financeiros e econômicos alheios.

No lawfare, ações judiciais e midiáticas são usadas para aniquilar inimigos políticos, sob o pretexto de combate à corrupção.

A corrupção ocupa, no mundo jurídico atual, o papel que outrora foi ocupado pela bruxaria, pela heresia, pelo comunismo e pelos “causadores do mal” – como judeus, indígenas, escravos, terroristas, narcotraficantes –, eleitos inimigos.

O real objetivo do lawfare é, conforme muito bem alertou o Papa Francisco, eliminar políticas sociais destinadas à diminuição da desigualdade e à melhoria da condição de vida das populações. Além disso, há objetivos geopolíticos e comerciais, relacionados à energia, ao petróleo, ao gás, entre outros recursos essenciais e estratégicos ao desenvolvimento estruturado dos países.

“O lawfare, além de colocar em sério risco a democracia dos países, é geralmente usado para minar processos políticos emergentes e tende a violar sistematicamente os direitos sociais. A fim de garantir a qualidade institucional dos Estados, é essencial detectar e neutralizar esse tipo de práticas que resultam de uma atividade judicial imprópria combinada com operações multimidiáticas paralelas”. Papa Francisco

Embora os promotores da guerra a declarem humanitária, pois não derrama uma gota de sangue, a guerra por meio do direito e da mídia produz tanta dor e sofrimento quanto a guerra convencional. O lawfare atinge pessoas de carne e osso, aniquila líderes políticos, atingindo também seus familiares. Projetos de vida são interrompidos.

As vítimas do lawfare são alvo de acusações infundadas, de prisões preventivas abusivas, de bloqueio de bens, de processos sem direito à defesa, de julgamentos midiáticos e de exceção, levados a cabo por juízes parciais, resultando em condenações a penas injustas.

Se durante a ditadura militar, a tortura física dentro dos porões era o método usado para ameaçar inimigos ideológicos, nos tempos atuais, a tortura é feita de forma mais sofisticada para passar despercebida. É tortura que começa na alma e chega no corpo.

Lawfare é guerra mundial e permanente

Em menos de duas décadas, mais de treze países latino-americanos sofreram interferências em seus processos de escolha de dirigentes.

Além do Brasil, Bolívia, Equador, Honduras, Paraguai, Peru, El Salvador, Guatemala, Panamá, Nicarágua, Argentina, Chile e Colômbia foram alvos do lawfare. Cuba e Venezuela são há muito tempo vítimas de sanções econômicas violentas.

Os projetos voltados para o desenvolvimento social foram substituídos por outros representativos do ideário neoliberal estadunidense.

As guerras travadas ao longo da história têm objetivos de incrementar a condição econômica e fortalecer a posição política do invasor. O lawfare é guerra com esses mesmos objetivos e se vale do Direito para controlar os indesejáveis que não interessam e atrapalham esses interesses financeiros e econômicos.

É preciso deter a guerra e para isso a primeira tarefa é conhecer o assunto, estudar a fundo suas estratégias, geografia, armas e externalidades. É preciso saber detectar e neutralizar o lawfare.

Lawfare nunca mais!

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